“ Ensinar exige comprometimento
Outro saber que devo trazer comigo e que tem que ver com quase
todos os de que tenho falado é o de que não é possível exercer a atividade do
magistério como se nada ocorresse conosco. Como impossível seria sairmos na
chuva expostos totalmente a ela, sem defesas, e não nos molhar. Não posso ser
professor sem me pôr diante dos alunos, sem relevar com facilidade ou
relutância minha maneira de ser, de pensar politicamente. Não posso escapar à
apreciação dos alunos. E a maneira como eles me percebem tem importância
capital para o meu desempenho. Daí, então, que uma de minhas preocupações
centrais deva ser a de procurar a aproximação cada vez maior entre o que digo e
o que faço entre o que pareço ser e o que realmente estou sendo.
Se perguntado por um aluno sobre o que é “tomar distância
epistemológica do objeto” lhe respondo que não sei, mas que posso vir, a saber,
isso não me dá a autoridade de quem conhece, me dá alegria de, assumindo minha
ignorância, não ter mentido. E não ter mentido abre para mim junto aos alunos
um crédito que devo preservar. Eticamente impossível teria sido dar uma
resposta falsa, um palavreado qualquer. Um chute, como se diz
popularmente. Mas, por um lado, precisamente porque a prática docente,
sobretudo como a entendo me coloca a possibilidade que devo estimular de
perguntas várias, preciso me preparar ao máximo para, de outro, continuar sem
mentir aos alunos, de outro, não ter de afirmar seguidamente que não sei.
Saber que não posso passar despercebido pelos alunos, e que a
maneira como me percebam me ajuda ou desajuda no cumprimento de minha tarefa de
professor, aumenta em mim os cuidados com o meu desempenho. Se a minha opção é
democrática, progressista não pode ter um prática reacionária, autoritária,
elitista. Não posso discriminar o aluno em nome de nenhum motivo. A percepção
que o aluno tem de mim não resulta exclusivamente de como atuo, mas também de
como o aluno entende como atuo. Evidentemente, não posso levar meus dias como
professores a perguntar aos alunos o que acham de mim ou como me avaliam. Mas
devo estar atento à leitura que fazem de minha atividade com eles. Precisamos
aprender a compreender a significação de um silêncio, ou de um sorriso ou de
uma retirada da sala. O tom menos cortês com que foi feita uma pergunta. Afinal,
o espaço pedagógico é um texto para ser constantemente “lido”,
interpretado, “escrito” e “reescrito”. Neste sentido, quanto mais solidariedade
exista entre o educador e educandos no “trato” deste espaço, tanto mais
possibilidades de aprendizagem democrática se abrem na escola.
Creio que nunca precisou o professor progressista estar tão
advertido quanto hoje em face da esperteza com que a ideologia dominante
insinua a neutralidade da educação. Desse ponto de vista, que é reacionário, o
espaço pedagógico, neutro por excelência, é aquele em que se treinam
os alunos para práticas apolíticas, como se a maneira humana de estar no
mundo fosse ou pudesse ser uma maneira neutra.
Minha
presença de professor, que não pode passar despercebida dos alunos na classe e
na escola, é uma presença em si política. Enquanto presença não posso ser uma omissão1, mas um sujeito de opções. Devo revelar aos alunos a minha capacidade de analisar,
de comparar, de avaliar, de decidir, de optar, de romper. Minha capacidade de
fazer justiça, de não falhar à verdade. “Ético, por isso mesmo, tem que ser o
meu testemunho”.
*FREIRE,
Paulo. Pedagogia da Autonomia. Saberes necessários à prática educativa. Rio de
Janeiro: Paz e Terra. 1997. p. 108-110
“ Ensinar
exige comprometimento
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