quarta-feira, 24 de abril de 2013

FORMAÇÃO


AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM E PROGRESSÃO CONTINUADA bases para a construção de uma nova escola
Zilma de Moraes Ramos de Oliveira1
A Lei 9394/96, ao estabelecer as diretrizes e bases da educação nacional, buscou criar
condições legais para que cada escola pudesse se organizar para o alcance dos objetivos propostos na Constituição de 1988 em relação à educação e que espelham o anseio da sociedade brasileira de ter educados todos os seus cidadãos, zelando por medidas de não-exclusão de alunos pelo sistema escolar, quer pela garantia de vagas, quer pela efetivação de uma aprendizagem bem-sucedida.
Respondendo a este desafio, tem sido defendida a necessidade de se substituir uma concepção de avaliação escolar punitiva e excludente por uma concepção de avaliação comprometida com o progresso e o desenvolvimento da aprendizagem.
A avaliação tem sido tradicionalmente usada na escola para orientar a organização de turmas, dentro de um modelo educacional que pressupõe uma única competência básica a ser dominada por todos os alunos em um mesmo período de tempo. Quem não o fizesse, seria apartado da turma e impedido de mover-se para série seguinte (pró-mover-se). Esta retenção do aluno na série que cursou durante determinado período escolar termina, no imaginário que ainda existe nas escolas, fazendo o aluno sentir-se como alguém reprovado, no sentido de rejeitado, excluído, condenado, censurado, com sérias conseqüências para a auto-estima e futuras aprendizagens.
Todavia, voltar a cursar uma série com o desgaste emocional de perder sua turma e parte de sua identidade, e ficar vendo as mesmas questões apresentadas no mesmo jeito pelos professores, pode ser bem mais deseducativo do que promotora de aprendizagem. Com as sucessivas e desestimulantes retenções dos alunos no percurso escolar, estes encontram outros meios de inserir-se no social, ou de colocar-se neste contra essa estrutura. A não-promoção tem sido assim, a maior aliada da evasão escolar e, portanto, da exclusão do direito à Educação que toda sociedade busca garantir.
O instituto da progressão continuada baseia-se nestas considerações. Ele foi previsto na LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96, artigo 32, parágrafo segundo) e normatizada pela Deliberação 9/97 do Conselho Estadual de Educação de São Paulo.
Seu caráter inovador necessita ser discutido para elucidar sua compreensão pelos educadores e
pais, estimulando-os a sair da redoma das concepções sobre a educação escolares ainda existentes nas escolas, embora pouco conscientes por parte dos atores sociais envolvidos e que são extremamente cristalizadas.
A presença da progressão continuada leva os professores a analisar suas concepções sobre o papel e as finalidades do ensino fundamental na sociedade brasileira contemporânea e o
significado do processo de aprendizagem de seus alunos. Para muitos professores, diretores e
famílias, herdeiros da tradição criada pela estrutura elitista e excludente da escola brasileira, a
organização escolar em ciclos, os quais, por definição, não comportam retenções em seu interior,
não pode ser produtiva para a aprendizagem dos alunos. Contudo, dados de pesquisa têm
apresentado que as aprendizagens se fazem por espirais e que mesmo que algumas aquisições
fiquem prejudicadas por um certo período enquanto se desenvolve o complexo processo de
ensino, a não-retenção dos alunos na progressão continuada pode permitir mais avanços do que
quando é defendido um ritmo homogêneo e linear de domínio de conteúdos escolares.
Assim a progressão continuada não se alia de forma alguma com possível rebaixamento do ensino, antes envolve pensar sempre em diversas formas de prover aprendizagens essenciais, com o domínio de habilidades e atitudes de busca de novas informações e conhecimentos, de cooperação, etc., através de um projeto consistente de trabalho pedagógico elaborado e desenvolvido em equipe.
Há desta forma um pensar pedagógico que valoriza o aprendido enquanto investiga que outras circunstâncias na vida escolar atuariam sobre os alunos, levando-os a avançar em seu 1 Chefe de Gabinete da Secretaria do Estado da Educação de São Paulo, Membro do Conselho Estadual de Educação, Professora dos Programas de Pós-graduação da FEUSP e da FFCLRP de Ribeirão Preto – USP. aprendizado escolar. Para tanto faz-se mister que a organização escolar realize contínuas avaliações parciais de aprendizagem e recuperações paralelas durante todos os períodos letivos, dado que o compromisso da escola com a aprendizagem dos alunos só termina quando todos os recursos para que eles aprendam foram usados.
Para cada aluno com baixo aproveitamento escolar em relação à turma, a escola precisa colocar à disposição dos pais e órgãos de supervisão os resultados de suas avaliações (muito menos notas ou menções, mas principalmente considerações sobre as dificuldades de aprendizagem do aluno), seu desempenho em relação ao grupo e todas as providências adotadas na busca da recuperação de sua aprendizagem.
Se uma escola envidou todos os esforços para que o aluno aprenda, através de recuperações
contínuas e paralelas, e isto não ocorreu, cumpre investigar o que estaria acontecendo com este aluno nesta escola e que o tornou impossibilitado de aprender, e propor alternativas de ação pedagógica para garantir sua aprendizagem. É muito difícil, todavia, imaginar que um aluno esteja sem aproveitamento algum, tendo freqüentado aulas coordenadas por seus professores. Se situações como esta são comuns em uma determinada escola, há que se refletir sobre o que se passa com sua proposta de trabalho pedagógico e buscar soluções para os problemas nela vividos.
Os alunos que precisam de mais tempo para aprender e os com dificuldades específicas, mas que já avançaram mesmo que seja um pouco sua aprendizagem, não podem ser prejudicados com a perda da turma de amigos que lhe dão apoio emocional. No regime de progressão continuada, aquele que, nas séries de um ciclo, exceto a última, apresente um aproveitamento escolar insuficiente em relação ao que foi estabelecido, é classificado para a série seguinte acompanhado por um conjunto de medidas pedagógicas – estudos suplementares já durante as férias de verão e recuperação paralela pelo tempo que se fizer necessário, dentro do projeto pedagógico da escola – que lhe garantam a apropriação dos conhecimentos sistematizados que a escola escolheu trabalhar.
Observados os progressos feitos, ainda que pequenos, e especialmente as condições em que estes foram feitos, pode-se planejar os próximos passos, exigindo novas atitudes do aluno, da família e, inclusive, da escola. Não se coloca assim a aprovação sem critério, sem um diagnóstico pedagógico, sem um sério plano de trabalho a ser vencido nos anos posteriores, mera promoção automática.
Ao final de cada ciclo, uma avaliação do desenvolvimento e da aprendizagem dos alunos pode considerar eventualmente a necessidade de um programa sistematizado e individualizado de apropriação de conteúdos básicos propostos para o ciclo e que um aluno ainda não dominou, por um período de até um ano escolar.
Quanto ao argumento de que muitos alunos não aprendem, pois apresentam atitudes de não-envolvimento com a aprendizagem e mesmo indisciplina, é necessário considerar quantos são estes, que dinâmica os orienta e em que série trabalham. Atravessariam eles alguma situação individual de riscos maior: gravidez indesejada, uso de drogas, problemas no emprego ou em casa? Estariam sendo as atividades propostas suficientemente interessantes para desafiá-los? Diante de provocações que são por vezes observadas na relação que se estabelece entre o professor e seus alunos, particularmente os mais velhos, ao invés de pensar em revidar com fortes punições, cabe aos educadores refletir de que forma pedagogicamente válida lidar com os conflitos cotidianos existentes na escola, e que aparecem sob forma de desobediência às orientações docentes, de modo a aprofundar o conceito de cidadania não só do aluno, mas
também do professor?
Em relação a outro segmento do alunado que tem sido lembrado quando se discute a progressão continuada, os alunos faltosos, é fundamental modificar o entendimento do significado da presença estudantil nas atividades escolares. Embora a LDB considere que a freqüência do aluno a um mínimo de 75% das aulas é obrigatória para sua promoção, isto não quer dizer que faltar a até 25% das atividades escolares seja um direito do aluno. Antes, qualquer falta à escola de ensino fundamental de certa forma fere o direito da sociedade de ter seus cidadãos sendo educados. Assim, cumpre-se trabalhar para eliminar o grande número de ausências às atividades
escolares, conscientizando os alunos das conseqüências que suas faltas às aulas lhe acarretariam
cabendo ao Poder Público zelar pela freqüência da criança ou adolescente ao ensino fundamental
(ECA, artigo 54, parágrafo terceiro).
Na hipótese de reiteração de faltas injustificadas, o aluno faltoso está obrigatoriamente sujeito às medidas de proteção estabelecidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (artigo 98, 101, 136), cabendo ao dirigente da unidade escolar comunicar o fato ao Conselho Tutelar para as devidas providências (ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente, artigo 56). Daí a importância de medidas de recuperação de ausências através da realização de tarefas várias para evitar uma medida de exclusão escolar incompatível com o princípio constitucional do direito à educação fundamental. Entretanto, esgotadas todas as medidas tutelares e as de recuperação de ausências concentradas ou distribuídas ao longo do ano letivo, o aluno permanece classificado na mesma série, podendo, contudo, ser submetido a procedimento de reclassificação no início do próximo ano letivo, se demonstrar desempenho pedagógico compatível com o prosseguimento de estudos na série seguinte.
Todos os pontos apresentados representam o compromisso de buscar novas formas de trabalho pedagógico mais adequado ao presente contexto cultural que vem cercando a escola e trabalhar para a criação de novos motivos escolares para todos os alunos, dentro de um projeto político-educacional de construir uma escola realmente nova.

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