AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM E PROGRESSÃO
CONTINUADA bases para a construção de uma nova
escola
Zilma de Moraes Ramos de Oliveira1
A Lei 9394/96, ao estabelecer as diretrizes e
bases da educação nacional, buscou criar
condições legais para que cada escola pudesse se
organizar para o alcance dos objetivos propostos na Constituição de 1988 em
relação à educação e que espelham o anseio da sociedade brasileira de ter educados
todos os seus cidadãos, zelando por medidas de não-exclusão de alunos pelo
sistema escolar, quer pela garantia de vagas, quer pela efetivação de uma
aprendizagem bem-sucedida.
Respondendo a este desafio, tem sido defendida a
necessidade de se substituir uma concepção de avaliação escolar punitiva e
excludente por uma concepção de avaliação comprometida com o progresso e o
desenvolvimento da aprendizagem.
A avaliação tem sido tradicionalmente usada na
escola para orientar a organização de turmas, dentro de um modelo educacional
que pressupõe uma única competência básica a ser dominada por todos os alunos
em um mesmo período de tempo. Quem não o fizesse, seria apartado da turma e
impedido de mover-se para série seguinte (pró-mover-se). Esta retenção do aluno
na série que cursou durante determinado período escolar termina, no imaginário
que ainda existe nas escolas, fazendo o aluno sentir-se como alguém reprovado,
no sentido de rejeitado, excluído, condenado, censurado, com sérias
conseqüências para a auto-estima e futuras aprendizagens.
Todavia, voltar a cursar uma série com o desgaste
emocional de perder sua turma e parte de sua identidade, e ficar vendo as
mesmas questões apresentadas no mesmo jeito pelos professores, pode ser bem
mais deseducativo do que promotora de aprendizagem. Com as sucessivas e
desestimulantes retenções dos alunos no percurso escolar, estes encontram
outros meios de inserir-se no social, ou de colocar-se neste contra essa
estrutura. A não-promoção tem sido assim, a maior aliada da evasão escolar e,
portanto, da exclusão do direito à Educação que toda sociedade busca garantir.
O instituto da progressão continuada baseia-se
nestas considerações. Ele foi previsto na LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Lei 9394/96, artigo 32, parágrafo segundo) e normatizada pela
Deliberação 9/97 do Conselho Estadual de Educação de São Paulo.
Seu caráter inovador necessita ser discutido para
elucidar sua compreensão pelos educadores e
pais, estimulando-os a sair da redoma das
concepções sobre a educação escolares ainda existentes nas escolas, embora
pouco conscientes por parte dos atores sociais envolvidos e que são extremamente
cristalizadas.
A presença da progressão continuada leva os
professores a analisar suas concepções sobre o papel e as finalidades do ensino
fundamental na sociedade brasileira contemporânea e o
significado do processo de aprendizagem de seus
alunos. Para muitos professores, diretores e
famílias, herdeiros da tradição criada pela
estrutura elitista e excludente da escola brasileira, a
organização escolar em ciclos, os quais, por
definição, não comportam retenções em seu interior,
não pode ser produtiva para a aprendizagem dos
alunos. Contudo, dados de pesquisa têm
apresentado que as aprendizagens se fazem por
espirais e que mesmo que algumas aquisições
fiquem prejudicadas por um certo período enquanto
se desenvolve o complexo processo de
ensino, a não-retenção dos alunos na progressão
continuada pode permitir mais avanços do que
quando é defendido um ritmo homogêneo e linear de
domínio de conteúdos escolares.
Assim a progressão continuada não se alia de
forma alguma com possível rebaixamento do ensino, antes envolve pensar sempre
em diversas formas de prover aprendizagens essenciais, com o domínio de
habilidades e atitudes de busca de novas informações e conhecimentos, de
cooperação, etc., através de um projeto consistente de trabalho pedagógico
elaborado e desenvolvido em equipe.
Há desta forma um pensar pedagógico que valoriza
o aprendido enquanto investiga que outras circunstâncias na vida escolar
atuariam sobre os alunos, levando-os a avançar em seu 1 Chefe de Gabinete da
Secretaria do Estado da Educação de São Paulo, Membro do Conselho Estadual de
Educação, Professora dos Programas de Pós-graduação da FEUSP e da
FFCLRP de Ribeirão Preto – USP. aprendizado escolar. Para
tanto faz-se mister que a organização escolar realize contínuas avaliações
parciais de aprendizagem e recuperações paralelas durante todos os períodos
letivos, dado que o compromisso da escola com a aprendizagem dos alunos só
termina quando todos os recursos para que eles aprendam foram usados.
Para cada aluno com baixo aproveitamento escolar em relação à turma, a
escola precisa colocar à disposição dos pais e órgãos de supervisão os
resultados de suas avaliações (muito menos notas ou menções, mas principalmente
considerações sobre as dificuldades de aprendizagem do aluno), seu desempenho
em relação ao grupo e todas as providências adotadas na busca da recuperação de
sua aprendizagem.
Se uma escola envidou todos os esforços para que
o aluno aprenda, através de recuperações
contínuas e paralelas, e isto não ocorreu, cumpre
investigar o que estaria acontecendo com este aluno nesta escola e que o tornou
impossibilitado de aprender, e propor alternativas de ação pedagógica para
garantir sua aprendizagem. É muito difícil, todavia, imaginar que um aluno
esteja sem aproveitamento algum, tendo freqüentado aulas coordenadas por seus
professores. Se situações como esta são comuns em uma determinada escola, há
que se refletir sobre o que se passa com sua proposta de trabalho pedagógico e
buscar soluções para os problemas nela vividos.
Os alunos que precisam de mais tempo para
aprender e os com dificuldades específicas, mas que já avançaram mesmo que seja
um pouco sua aprendizagem, não podem ser prejudicados com a perda da turma de
amigos que lhe dão apoio emocional. No regime de progressão continuada, aquele
que, nas séries de um ciclo, exceto a última, apresente um aproveitamento
escolar insuficiente em relação ao que foi estabelecido, é classificado para a
série seguinte acompanhado por um conjunto de medidas pedagógicas – estudos
suplementares já durante as férias de verão e recuperação paralela pelo tempo
que se fizer necessário, dentro do projeto pedagógico da escola – que lhe
garantam a apropriação dos conhecimentos sistematizados que a escola escolheu
trabalhar.
Observados os progressos feitos, ainda que
pequenos, e especialmente as condições em que estes foram feitos, pode-se
planejar os próximos passos, exigindo novas atitudes do aluno, da família e,
inclusive, da escola. Não se coloca assim a aprovação sem critério, sem um
diagnóstico pedagógico, sem um sério plano de trabalho a ser vencido nos anos
posteriores, mera promoção automática.
Ao final de cada ciclo, uma avaliação do
desenvolvimento e da aprendizagem dos alunos pode considerar eventualmente a
necessidade de um programa sistematizado e individualizado de apropriação de
conteúdos básicos propostos para o ciclo e que um aluno ainda não dominou, por
um período de até um ano escolar.
Quanto ao argumento de que muitos alunos não
aprendem, pois apresentam atitudes de não-envolvimento com a aprendizagem e
mesmo indisciplina, é necessário considerar quantos são estes, que dinâmica os
orienta e em que série trabalham. Atravessariam eles alguma situação individual
de riscos maior: gravidez indesejada, uso de drogas, problemas no emprego ou em
casa? Estariam sendo as atividades propostas suficientemente interessantes para
desafiá-los? Diante de provocações que são por vezes observadas na relação que
se estabelece entre o professor e seus alunos, particularmente os mais velhos,
ao invés de pensar em revidar com fortes punições, cabe aos educadores refletir
de que forma pedagogicamente válida lidar com os conflitos cotidianos
existentes na escola, e que aparecem sob forma de desobediência às orientações
docentes, de modo a aprofundar o conceito de cidadania não só do aluno, mas
também do professor?
Em relação a outro segmento do alunado que tem
sido lembrado quando se discute a progressão continuada, os alunos faltosos, é
fundamental modificar o entendimento do significado da presença estudantil nas
atividades escolares. Embora a LDB considere que a freqüência do aluno a um
mínimo de 75% das aulas é obrigatória para sua promoção, isto não quer dizer
que faltar a até 25% das atividades escolares seja um direito do aluno. Antes,
qualquer falta à escola de ensino fundamental de certa forma fere o direito da
sociedade de ter seus cidadãos sendo educados. Assim, cumpre-se trabalhar para
eliminar o grande número de ausências às atividades
escolares, conscientizando os alunos das
conseqüências que suas faltas às aulas lhe acarretariam
cabendo ao Poder Público zelar pela freqüência da
criança ou adolescente ao ensino fundamental
(ECA, artigo 54, parágrafo terceiro).
Na hipótese de reiteração de faltas
injustificadas, o aluno faltoso está obrigatoriamente sujeito às medidas de
proteção estabelecidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (artigo 98,
101, 136), cabendo ao dirigente da unidade escolar comunicar o fato ao Conselho
Tutelar para as devidas providências (ECA - Estatuto da Criança e do
Adolescente, artigo 56). Daí a importância de medidas de recuperação de
ausências através da realização de tarefas várias para evitar uma medida de
exclusão escolar incompatível com o princípio constitucional do direito à
educação fundamental. Entretanto, esgotadas todas as medidas tutelares e as de
recuperação de ausências concentradas ou distribuídas ao longo do ano letivo, o
aluno permanece classificado na mesma série, podendo, contudo, ser submetido a
procedimento de reclassificação no início do próximo ano letivo, se demonstrar
desempenho pedagógico compatível com o prosseguimento de estudos na série
seguinte.
Todos os pontos apresentados representam o
compromisso de buscar novas formas de trabalho pedagógico mais adequado ao
presente contexto cultural que vem cercando a escola e trabalhar para a criação
de novos motivos escolares para todos os alunos, dentro de um projeto político-educacional
de construir uma escola realmente nova.
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