O Principio do Mundo
No principio este mundo estava na escuridão. Da escuridão
saíram dois homens, um chamado caraçacahiby, e outro, que era seu filho,
chamado Rairu. Rairu tropeçou em uma pedra furada como uma panela e ralhou com
a pedra. Caru, seu pai, mandou o filho Rairu carregar a pedra com que tinha
ralhado. Rairu cumpriu a ordem do pai e carregou na cabeça a pedra, que em cima
dele começou a crescer. Pesando já muito, ele disse ao pai:
- Está pedra já pesa muito.
Mais crescia então a pedra e já Rairu não podia andar. A
pedra continuou a crescer. Cresceu tanto a pedra em forma de panela que formou
o céu. Apareceu então depois o sol no céu. Rairu ajoelhou-se, vendo seu pai ser
o criador do céu. Caru inimigo do filho, porque sabia mais do que ele. Um dia
Caru flechou a folha de um tucumã e mandou o filho subir no tucumãzeiro para
tirar a flecha, para ver se o matava. O filho chegou ao tucumãzeiro, os
espinhos viraram-se todos para baixo a ficar bonitos; e subiu e torou da folha
a flecha do pai. Noutro dia mandou o filho adiante para o roçado e contam que
cortou todas as arvores em cima do filho. Derrubou então arvores em cima do
filho, caíram-lhe todos os paus em cima, mas ele não morreu e ficou incólume. Caru
arredou-se daí, pensando que o filho tinha morrido. No outro dia voltou Caru e
achou o filho perfeitamente bem. Quando Caru ia queimar a roça, mandou o filho
para o meio, para que morresse queimado. Caru cercou o filho de fogo. Quando Rairu,
depois, viu a fogueira cerca-lo, entrou pela porta, e quando a roça acabou de
queimar, apareceu sem nada lhe ter feito o fogo. Caru zangou-se muito, vendo
que o filho não morria. No outro dia, Caru voltou e foi para o mato. Chegou.
Quando no mato, fez de folhas secas uma figura de tatu e enterrou, deixando o
rabo de fora, na qual esfregou resina. Chamou o filho e disse:
-Vamos caçar?
- Vamos!
Andou virando pelo mato e chamou o filho:
-Aqui está um tatu vem puxar!
A figura daquele tatu ia cavando: já estava num buraco no
chão. Rairu depois deixou o rabo do tatu, mas não pode tirar a mão, porque a
resina o pegava.
Contam então que a figura do tatu o levou pela terra adentro
e sumiu-se. Passava seu pai outro dia por aquele buraco quando viu seu filho
sair dele. O pai pegou um pau e bateu no
filho. O filho lhe disse:
- Não me batas, porque no buraco da terra achei muita gente,
mais que boa, e eles vêm trabalhar para nós. O pai deixou-o e não lhe bateu
mais. Arredondou uma coisinha e atirou no chão, que então cresceu transformada
em algodão. O algodoeiro cresceu logo, floresceu,dando,depois,algodão. Caru
apanhou o algodão e fez uma corda, amarrou Rairu e o meteu no buraco do tatu.
Contam que pela corda e do buraco subiu muita gente bonita; dizem que, então, a
corda rebentou e o resto da gente bonita caiu no buraco. Rairu subiu com a gente bonita. Contam que
Caru, quando viu aquele bando de gente, mandou fazer uma coisa verde, uma vermelha,
uma preta, uma amarela, para assinalar aquela gente com as suas mulheres, para
quando aquela gente crescesse ser Mundurucu, Mura, Arara, Pamaná, Uinamary,
Manatenery, Catauchy, e assim todos. Demorando muito a pintar toda aquela
gente, ficaram uns com sono e outros mais que dormindo. Aos preguiçosos, caru
disse:
-Vocês são muito preguiçosos, agora vocês serão passarinhos,
morcegos, porcos e borboletas. Aos outros que não eram preguiçosos e que eram
bonitos, disse:
-Vocês serão o principio de outro tempo; noutro tempo os
filhos de vocês serão valentes. Depois Caru sumiu-se pela terra adentro. Então
denominaram aquele buraco Caru-Cupi.
Os grandes contos populares do mundo
Flavio Moreira Freire
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