Publicação do Instituto Metropolitano de Altos Estudos | FMU
Sócrates ensinava que o processo educativo era semelhante a  um parto. Ao observar o ofício de parteira de sua mãe, o pensador dizia  que, de igual modo, o mestre deveria fazer com o seu discípulo. Isto é,  ajudar no nascimento, com cuidado, com respeito. O aluno não é uma  coisa, um número, uma ficha. Ele é alguém com uma história em  construção. Assim como o professor. Mestres e aprendizes se educam o  tempo todo, eles se constroem.
O ambiente escolar é um espaço privilegiado de acolhimento e de convivência.
O respeito precisa ser um convidado cotidiano dessas relações. Da ausência do respeito e da compaixão, surge o bullying.
A palavra "bullying" deriva do adjetivo  inglês "bully", que significa "valentão", "tirano", termos direcionados  àqueles que, julgando-se superiores física ou psicologicamente, são  capazes de atos desumanos para intimidar, tiranizar, amedrontar e  humilhar outra pessoa. Certamente, essas práticas violentas ocorrem, há  anos e anos, nos espaços escolares e, não raro, foram – e ainda são –  classificadas, inadvertidamente, como brincadeiras de criança, sem  grande importância. Toda a ausência de respeito reveste-se de grande  importância. Um aluno que costuma agir inadequadamente nos bancos  escolares terá maior probabilidade de fazê-lo em outros ambientes;  afinal, a escola é o celeiro da vida.
E a vida precisa de ética. A regra de  ouro da ética é "não faça ao outro o que não gostaria que fizessem com  você". O agente do bullying, ou o que aplaude ou apenas assiste à ação  indesejada, age sem ética. Não pensa na dor do outro. Na humilhação. No  sentimento de inferioridade que nasce de ações repetidas.
Essas ações não podem ser negadas ou  desconsideradas. É preciso ter  o conhecimento e a conscientização do  problema, por parte de todos os envolvidos: estudantes, família,  educadores e comunidade – sensibilizando para a extinção de uma  violência silenciada, na maioria das vezes, pelo medo e pela dor.
Aliás, é esse um outro grave problema  da vítima. Ela fica em silêncio. Sofre em silêncio. Se nas famílias  houvesse diálogo, os efeitos seriam menos danosos. Mas os filhos têm  vergonha dos pais. Ou medo. O que não é bom. A família tem de semear um  espaço em que as máscaras sociais possam ser deixadas de lado, em que as  fraquezas sejam socializadas, em que um compreenda a dor do outro.  Voltamos à ética ou à compaixão.
Por ser uma prática, invariavelmente,  dissimulada e clandestina, os números reveladores da dimensão desse mal  em todo o mundo correm o risco de serem insuficientes. Muitos diretores  de escola e professores, por exemplo, omitem ou camuflam atitudes  agressivas ocorridas dentro da instituição, com receio de se tornarem  alvos dos agressores ou, até mesmo, de verem suas fragilidades expostas à  sociedade. Como uma epidemia sem controle, o bullying vem se instalando  e se expandindo, de forma avassaladora, entre nossas crianças e entre  nossos jovens.
Pesquisa realizada pelo IBGE – a  Pesquisa Nacional da Saúde do Escolar (Pense) – entrevistou 618,5 mil  estudantes do nono ano de escolas públicas (cerca de 80%) e privadas  (aproximadamente 20%) de todo o País, trazendo os seguintes resultados  em 2009: 30,8% dos estudantes afirmaram já ter sofrido bullying; a maior  proporção de ocorrências foi registrada em escolas privadas (35,9%), ao  passo que, nas escolas públicas, os casos atingiram 29,5% dos  estudantes; Brasília e Belo Horizonte são as capitais brasileiras com os  maiores índices de casos de bullying – 35,6% e 35,3%, respectivamente  –, nos 30 dias anteriores ao da pesquisa.
Vez ou outra, somos assombrados por  notícias sobre casos de bullying que terminaram em tragédia. São cenas  protagonizadas por vítimas do passado, que se tornaram agressores no  presente. Vítimas-agressores são, em geral, adultos que, quando  crianças, foram profundamente marcados pela dor e pela angústia, com  ações desumanas sofridas. O desejo de vingança e de autodestruição é  fruto de um sofrimento contido e intensificado ao longo dos anos. Uma  pesquisa realizada por um cientista americano, Timothy Brewerton, revela  que, nos 66 ataques a escolas ocorridos no mundo de 1966 a 2011, 87%  dos atiradores haviam sido vítimas de  bullying e, assim, agiam pela  vontade de vingança.
De uma forma ou de outra, os dados  obtidos a partir de estudos e de pesquisas sobre o bullying em escolas  de outros países são muito parecidos, afirmam os especialistas. É um  cenário assustador, que exige cuidado e ação imediatos – principalmente,  das instâncias governamentais. A  escola, destinada a ser um centro de  luz e de difusão da paz, tem sido palco de atos desumanos e covardes em  relação aos considerados mais frágeis, seja pela compleição física  franzina, seja pelo tipo acabrunhado de personalidade, seja por uma  deficiência física qualquer.
A necessidade da criação de novas leis e  da aplicação efetiva da legislação já existente sobre a questão do  bullying faz-se premente. Entretanto, a solução para a inibição dessa  prática violenta não está apenas na determinação de atos punitivos aos  agressores, mas, principalmente, na promoção de ações educativas de  repúdio ao bullying e de conscientização/comprometimento de toda a  comunidade escolar no combate a essa epidemia. Incremento na formação  dos educadores, campanhas de esclarecimento para as famílias, para os  alunos e para a comunidade, orientação aos pais na detecção do bullying,  distribuição de cartilhas orientadoras à comunidade escolar, palestras  de prevenção e de combate ao bullying, estreitamento das relações entre a  escola e a família e resgate dos valores de amizade, de amor e de  respeito são algumas das providências urgentes a serem tomadas na seara  educacional.
A escola está em estado de atenção. De  alerta. As Diretrizes Curriculares Nacionais indicam como objetivos  primeiros da educação os princípios éticos, estéticos e políticos na  condução da prática pedagógica. A constatação que se tem, a partir da  percepção do espaço violento que se tornou a escola, é a de que esses  princípios, garantidos por lei, foram abandonados.
Para educar, é preciso cuidar dos  princípios da dignidade humana, das pessoas e dos sentimentos dessas  pessoas. Diante de questões relativas ao bullying, é importante que se  questione qual princípio foi violentado, o que ficou esquecido pelo  caminho, o que foi deixado para trás no convívio diário da sala de aula.  É preciso refletir e romper esse ciclo perverso. É de paz que os  estudantes precisam para aprender, e os professores, para ensinar. É de  paz que a família precisa para que cumpra sua finalidade de proteger e  de preparar. E a paz é atitude ante a vocação da vida humana que requer  autonomia, respeito, liberdade e amor.
Fonte: http://www.udemo.org.br/2011/Leituras11_0125_Aspectos-educacionais-do-bullying.html (acesso em 30/06/2011)

 
 
